Arquivo mensal: outubro 2014

Reflexão do dia de Finados – Saudade sim, tristeza não! – Domingo 02 de novembro de 2014

Reflexão do dia de Finados – Saudade sim, tristeza não!

Domingo 02 de novembro de 2014

               Entre os primeiros cristãos, havia o costume de rezar pelos mortos e de celebrar, como atestam os sacramentários romanos, a missa de corpo presente por ocasião do falecimento de um deles. Quando isso não era possível, devido às perseguições, celebrava-se mais tarde, dando origem às missas de sétimo e trigésimo dia.

          Nesse mesmo período, iniciou-se a prática, presente ainda em nossos dias, de fazer a memória dos mortos e dos vivos nas celebrações eucarísticas. Seus nomes eram então guardados em registros denominados Libri Vitae (Livros da Vida), posteriormente designados necrologias e obituários, passando das menções generalizadas às individuais. Com o passar do tempo, consolidou-se uma preocupação: a lembrança de todos os demais falecidos que, por algum motivo, não constavam nas listas. Para preencher esta lacuna, decidiu-se estabelecer um dia do ano para se rezar na intenção litúrgica de todos os que passaram desta vida. Por volta dos anos 1.024 e 1.033, foi escolhido, como dia consagrado à oração pública e universal por todos os falecidos, o dia 2 de novembro, o tão conhecido Dia de Finados, por ser o dia litúrgico que se segue à festa de Todos os Santos.

          Desde o início, o conteúdo principal da celebração não era a morte, mas sim a fé na Ressurreição e, consequentemente, a esperança de se estar um dia perante Deus em sua morada. A celebração do dia de Finados antecipa a vida feliz e eterna em Deus. Agradece-se a Deus a existência dos antepassados e acende-se uma vela, proferindo uma oração, para recordar a luz da fé que nos iluminou, através de nossos pais, avós, parentes e amigos. Luz que não se extinguiu com a passagem deles para a eternidade de Deus, mas que se perpetua em nossos corações. As flores depositadas em suas sepulturas prenunciam o alegre reencontro na ressurreição dos mortos.

       No Dia de Finados, rezamos não aos mortos, mas pelos mortos, pois todos, os vivos e falecidos, participam da comunhão dos Santos, que jamais se desfaz, pois todos eles se encontram no regaço amoroso do amor inefável e misericordioso de Deus. Nesse sentido, escreve S. Ambrósio: “Pois, para não ser de novo a morte o fim da natureza humana, foi-lhe dada a ressurreição dos mortos. Assim, refulge em nossos corpos a morte de Cristo, aquela ditosa pela qual se destrói o ser exterior, a fim de ser renovado nosso homem interior e se desfaça nossa habitação terrena, abrindo-se para nós a habitação celeste”.

          Na realidade, a palavra morte, do latim mors, mortis, traz em geral, uma sensação de tristeza e de medo. O próprio Jesus, no horto das Oliveiras, sentiu angústia e chegou a suar sangue. No entanto, Ele acolhe a morte e todo o sofrimento que ela comporta, oferecendo-a ao Pai em nosso favor. A oferta de sua vida ao Pai realiza nossa salvação e consolida a esperança da humanidade, de modo a enxugar as lágrimas do nosso coração e transformar a tristeza, sentida na hora da morte de um ente querido, em saudade. Então reconhecemos que os laços inquebrantáveis do amor eterno e fiel de Deus nos enlaçam e antecipam nosso reencontro no Reino dos Céus. Dos lábios de S. Gregório de Nazianzo, brota sua suplica ao Senhor: “Desde já, recebe-nos ó Pai, unidos a todos os que partem para aquela feliz e intérmina vida que está em Cristo Jesus”. Saudade sim, tristeza não!

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Mt 5, 1-12 – As bem-aventuranças (Todos os Santos) – Sábado 01 de Novembro

Reflexão do Evangelho de Mt 5, 1-12 – As bem-aventuranças (Todos os Santos)

Sábado 01 de Novembro

       No alto de uma colina, Jesus sentou-se e como mestre pôs-se a ensinar a multidão que o acompanhava. “E nos corações dos discípulos, salienta São Leão Magno, a mão veloz do Verbo escrevia os decretos da nova Aliança”, para todos os povos. São as bem-aventuranças.

      O termo grego “makários” (bem-aventurado), que corresponde a “baruk”, em hebraico, é empregado para expressar paz, felicidade e bênção. Por oito vezes, Jesus o repete para designar o ideal do verdadeiro discípulo: a serenidade no tempo presente e a felicidade eterna na visão de Deus. O desejo de Jesus é comunicar aos discípulos a paz nesta terra e, especialmente, conduzi-los à bem-aventurança perfeita do céu, já participada aqui e agora, em meio aos sofrimentos e perseguições. Nesse sentido, a bem-aventurança é definida por S. Gregório de Nissa como “a vida pura e sem mistura. Ela é o bem inefável, inconcebível, a inexprimível beleza, o poder que está acima de tudo, o único desejo, a realidade sem declínio, a exaltação sem fim”.

         Composição em prosa ritmada, as bem-aventuranças não querem expressar um programa para organizar a sociedade, mas estabelecer as condições indispensáveis para participar do reino messiânico. Elas são um admirável apelo à conversão e revelam o que provocou o incêndio do Evangelho em inumeráveis corações: seguir Jesus em sua comunhão com o Pai. Na realidade, as quatro primeiras bem-aventuranças ressaltam o primado de Deus ou o seu reinado, absolutamente superior a tudo o que é passageiro, sem desprezar as alegrias terrenas, frágeis e precárias. Os discípulos são encorajados a deixar-se guiar pela liberdade interior, em que as paixões se calam e os impulsos da alma se transformam em caridade. Então, invadidos pela luz divina, eles são introduzidos na Terra Prometida, recebida como herança, para trabalhar em favor da paz e compartilhar, na caridade, a vida dos que têm fome e sede de justiça.

           As quatro seguintes bem-aventuranças proclamam o amor fiel (hesed) dos que vivem as instruções e os ensinamentos do Senhor. Por conseguinte, as bem-aventuranças são a resposta humana ao amor de Deus, e expressam o grito de esperança, que os pobres em espírito (anawe ruah) dirigem a Deus. Vivendo-as, eles atingem a liberdade interior e suas almas, qual lago tranquilo, refletem o rosto do Cristo misericordioso, puro de coração e promotor da paz. Eis a presença do reinado de Deus, apenas iniciado com a vinda de Jesus!

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 14, 1-6 – Cura de um hidrópico – Sexta-feira 31 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 14, 1-6 – Cura de um hidrópico

Sexta-feira 31 de Outubro

       Num dia de sábado, Jesus almoça na casa de um dos chefes dos fariseus. A casa está repleta. Curiosos, todos olham para Ele com intenções pouco fraternas e amigas, buscando descobrir alguma falha ou erro para acusá-lo e denegri-lo. Ele não se sente intimidado. Sem hesitar, aproximou-se de um homem enfermo, toucou-o e o curou, provocando espanto e repúdio dos representantes do povo. Seu gesto, porém, fala mais alto que qualquer palavra, o bem é praticado e o sentido espiritual do sábado é priorizado, permitindo que os discípulos “reconheçam o sábado, lembra S. Cirilo de Alexandria, como dia do sacrifício agradável a Deus. De fato, o milagre torna-se uma oferta de suave e doce fragrância espiritual, apresentada ao Pai misericordioso, bom e pleno de amor”.

       Os doutores da Lei e os fariseus percebem no que ocorreu uma oportunidade estupenda para caluniá-lo. Em sua sabedoria, Jesus não cede: com ênfase, Ele revela a falsidade do legalismo farisaico e aponta para a finalidade querida por Deus ao instituir o sábado, perguntando-lhes se, nesse dia, era ou não lícito fazer o bem e curar os enfermos. O silêncio é total. Em lugar, porém, de acolher os seus ensinamentos, eles não deixam de hostilizá-lo e continuam substituindo o espírito da Lei por suas prescrições e normas cultuais.

       Muitos dos autores antigos, referindo-se a este episódio, como S. Atanásio, lembram que a cura proclama o gesto salvador do Senhor, a sua Ressurreição, celebrada no domingo. S. Justino situa o sábado no contexto de um “apelo à prática da santidade”. Por conseguinte, o Senhor quer preservar seus seguidores do “fermento dos fariseus” e levá-los a compreender que o sábado proclama justamente a ação salvífica e misericordiosa de Deus.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 31-35 – Herodes, uma raposa – Quinta-feira 30 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 31-35 – Herodes, uma raposa

Quinta-feira 30 de Outubro

        Alguns fariseus aproximam-se de Jesus para avisá-lo que Herodes queria matá-lo. Destemidamente, Ele se opõe ao tirano e se mantém firme no curso de sua missão. Suas palavras assemelham-se a um apelo profético: “Ide dizer a esta raposa: Eis que eu expulso demônios e realizo curas hoje e amanhã e no terceiro dia vou terminar!” Ao denominá-lo raposa, Jesus sugere ser ele astuto e destrutivo, mas também falto de dignidade e de respeito. Apesar disso, sem temor, Ele continua o seu caminho na certeza da morte que o espera em Jerusalém. Adensavam-se ao seu redor a hostilidade e a incompreensão. A esse respeito, observa o evangelista São Lucas, Jesus reitera com clareza: “Devo seguir o meu caminho, pois não convém que um profeta pereça fora de Jerusalém”.

        Mas antes de entrar na cidade, contemplando-a, Jesus lamenta o descaso de seus adversários e declara, profeticamente: “Eis que a vossa casa ficará abandonada”. Presságio da cessação do culto no Templo, que ficaria deserto e, finalmente, destruído. Sua voz fica embargada de comoção e carinho ao exclamar: “Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos como a galinha recolhe os seus pintainhos debaixo das asas, mas não quiseste!” S. Cirilo de Alexandria, referindo-se aos “filhos” de Jerusalém, lembra que Jesus “lhes tinha mostrado quão esquecidos eles estavam dos dons de Deus. Mantiveram-se teimosos e indolentes perante tudo quanto poderia ter sido vantagem para eles”.

        Jesus está consciente de tudo quanto se passa e o que ocorrerá com Ele. Assim ao dizer: “Hoje e amanhã e no terceiro dia”, Ele declara que a sua missão chegará ao término, num breve espaço de tempo. Aliás, o verbo terminar (teleioumai) sugere justamente o fato de a sua missão ter chegado, por ação divina (voz passiva), tanto à consumação quanto à perfeição. Cumprem-se nele as esperanças e as promessas do Pai, proclamadas pelo profeta Oseias (6,2) para o “terceiro dia”, dia de reconciliação com Deus, em que o pecado é reparado e a morte é abolida. Mas não só. É o dia em que uma nova vida, não de uma simples criatura, mas a vida eterna do próprio Criador é comunicada à criatura.

        No entanto, apesar de esforçar-se para anunciar ao povo de Jerusalém a mensagem da salvação, este não o ouve e recusa recebê-lo. A história do amor inefável de Deus e da resistência do homem a Deus atinge o seu auge. A casa, aquela casa, que era o Templo de Deus, “ficará abandonada”. Mas um raio de esperança brilha no horizonte: “Sim, eu vos digo, não me vereis até o dia em que direis: ‘Bendito aquele que vem em nome do Senhor!’

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 22-30 – A porta estreita – Quarta-feira 29 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 22-30 – A porta estreita

Quarta-feira 29 de Outubro

           A caminho de Jerusalém, alguém pergunta a Jesus: “Senhor, é pequeno o número dos que se salvam?” Sua resposta mostra que o mais importante não é saber quantos entrarão no Reino de Deus, mas é decidir-se por Deus. Por isso, responde-lhes: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não conseguirão”. O interlocutor, diz S. Cirilo de Alexandria, “queria saber se seriam poucos os que se salvariam, mas Jesus lhe fala da estrada que conduz à salvação”. Ao se referir à porta estreita, Ele está indicando, destacam os Padres, a “porta do céu”, que só pode ser transposta por uma fé firme em Deus e uma moralidade isenta de mácula. De fato, esta é “a nossa porta”, presente no sonho de Jacó, embora invisível aos nossos olhos, que se abre para o átrio divino.

          Jerônimo nos diz que passar por ela significa estar vigilante “para o dia do julgamento, o que exige de nós a necessidade de mantermos constantemente a lâmpada acesa pela luz de nossas boas obras”, ou guardar o jejum, “graças ao qual se rechaça com energia a perdição”. A decisão e não o número dos que hão de se salvar é o mais importante. Daí a intenção de Jesus: compelir todos a um esforço deliberado para entrar pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho reservados aos que, por seu comportamento pecaminoso, ignoram a Lei.

          A porta estreita é a porta decisiva, pois ela é o próprio Jesus, cujo desejo é que todos ouçam o seu apelo, abracem a sua mensagem e possam passar por ela. Não basta dizer: “Comemos e bebemos contigo, e ensinaste em nossas praças”. É preciso acolher a salvação oferecida por Ele. Nesse sentido, S. Agostinho escreve que “o alimento que se come e se bebe, ao longo do caminho da vida, é Cristo, o Cordeiro imaculado. Oxalá, todos dele se alimentem de modo a não merecerem o castigo!”  A afirmação feita no final do texto: “Eis que há os últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”, anuncia a eleição dos que virão, os povos pagãos. No entanto, a expressão “há primeiros” é partitiva, o que sugere a existência de outros primeiros, também israelitas, os quais, por sua adesão a Cristo, continuarão a ser os primeiros. Igualmente, os últimos, os pagãos, nem todos serão, automaticamente, admitidos na Aliança de Abraão.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 6, 12-19 – Escolha dos Apóstolos – Terça-feira 28 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 6, 12-19 – Escolha dos Apóstolos

Terça-feira 28 de Outubro

Logo no início de sua vida pública, Jesus escolhe doze apóstolos dentre os seus discípulos. Eles constituem as colunas da Igreja da qual serão juízes no final dos tempos. São Lucas descreve nesses versículos a escolha desses homens antes de o Senhor proferir o Sermão da Montanha, carta magna da vida cristã. Naquela importante ocasião, Jesus, como nos momentos mais significativos da sua vida, conduziu seus discípulos ao monte, lugar de oração e de encontro com Deus.

       Após passar a noite em oração, Ele escolhe Doze aos quais dá o nome de Apóstolos, depositando neles toda a sua confiança. Já no Antigo Testamento existiam os sheluchim, apóstolos em grego, que tinham a incumbência de reforçar os vínculos existentes entre os lares de Israel. No Novo Testamento, o título apóstolo adquire o sentido de missionário, também de representante ou testemunha, pois eles terão a missão de atestar que Cristo ressuscitado é o mesmo com quem eles conviveram em sua vida pública. “Quem vos escuta, a mim escuta”, diz o Mestre. O primeiro “Apóstolo” ou a testemunha por excelência é Jesus, enviado pelo Pai. Os Doze serão designados à sua imagem: “Ó Pai, como me enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo”.

           Sobre a missão dada a eles por Jesus, declara Santo Ambrósio: “Eles são semeadores da fé para tornar presente no mundo o auxílio da salvação dos homens. Presta também atenção ao desígnio divino: Ele não escolheu para o apostolado pessoas sábias, ricas, nobres, mas pescadores e publicanos, pois não devia parecer que eles atrairiam as multidões, por causa de sua sabedoria, nem que as comprassem com suas riquezas. Muito menos as atraíssem à graça divina por força de seu prestígio e de sua nobreza. Prevalecia o argumento intrínseco da verdade, não a atração do discurso”. De fato, Jesus os chama para que estejam com Ele e possam conhecê-lo como o Filho amado do Pai celestial, e sejam testemunhas de sua vida e ensinamentos. Eles deveriam começar pelas ovelhas perdidas de Israel, e depois levar a sua mensagem “até os confins da terra”.

          Os Apóstolos passam, a Igreja continua. E do mesmo modo, a missão deles se estende no tempo, mediante seus sucessores. Mais tarde, os Atos dos Apóstolos falam de Paulo e Barnabé, vindos posteriormente, e que recebem o mesmo título de Apóstolos. Forma-se o colégio apostólico, depois perpetuado no colégio episcopal, do qual os bispos estarão investidos como sucessores dos Apóstolos. Não se pode esquecer o caráter de representante, testemunha da Tradição, exercido pelo Bispo como “sinal de unidade na caridade”, na definição de Santo Inácio de Antioquia.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 10-17 – Cura da mulher encurvada – Segunda-feira 27 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 10-17 – Cura da mulher encurvada

Segunda-feira 27 de Outubro

          Num dia de sábado, Jesus ensinava na sinagoga e lá estava uma mulher toda encurvada, com um ‘espírito de enfermidade’. Ela se aproxima de Jesus, que lhe diz: “Mulher, estás livre de tua doença e lhe impôs as mãos”.  A sinagoga estava repleta. A mulher, tocada no seu íntimo, endireitou-se e glorificava a Deus. Do mesmo modo, comenta S. Agostinho, “a humanidade toda inteira, que, como aquela mulher, estava recurvada sobre a terra”.

           Naquele ato miraculoso, os fariseus não reconhecem a ação de Deus que liberta os homens do mal e, fechados em seu mundo ritualista e autoritário, não se deixam penetrar pelas palavras misericordiosas de Jesus. A hipocrisia deles se evidencia quando, presos às suas observâncias rituais, eles não reconhecem o milagre e, aborrecidos, alegam ter Jesus transgredido a Lei do sábado. E com laivos de ironia, recordam o ritmo divino da criação em seis dias, para concluir: “Vinde nestes dias para serdes curados, e não no dia de sábado!”

        É nítida a oposição de Jesus aos fariseus, no tocante à observância do sábado. Ele quer restituir à prescrição do sábado o seu verdadeiro sentido, não só como intervalo de descanso, mas como manifestação da bondade, do amor e da misericórdia de Deus para conosco. Segundo as palavras de S. Irineu, “os sábados ensinam a perseverança no serviço de Deus, durante o tempo em que vivemos da fé”, destinando-o à oração e à meditação da Palavra de Deus. “O sábado, escreve S. Ambrósio, é figura do repouso festivo futuro. Por isso, não há repouso para as obras boas, só para as más”.

         Ao curar a mulher encurvada, Jesus proclama que Deus não se cansa jamais de manifestar o seu amor e a sua benevolência. Por conseguinte, o zelo pela observância do sábado ou do domingo não justifica ficar cego às exigências da caridade e à evidência da bondade e da misericórdia de Deus. Entre os próprios fariseus, aliás, há uma reação nesse sentido: “o sábado foi confiado a vós, não vós ao sábado”.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Mt 22, 34-40 – O maior mandamento – Domingo 26 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Mt 22, 34-40 – O maior mandamento

Domingo 26 de Outubro

           Jesus nos fala da primazia do amor, o que leva Santo Agostinho a dizer que “todos os preceitos do amor são de tal natureza, que se o homem crê ter feito algo bom, mas sem caridade, ele totalmente se equivoca”. É a exigência de amar a Deus com toda a sua alma, com toda a sua mente, com toda a sua força. Orígenes reforça essa ideia: “Amar ao Senhor não só é o maior mandamento, mas também o primeiro de todos”.

             Ao longo de todo o Novo Testamento, usando parábolas ou as próprias ações, Jesus dá diversas demonstrações de amor, compaixão, generosidade, misericórdia. Com isso, Ele quer nos mostrar a infinita capacidade de amar do Pai.

            São Basílio Magno escreveu que da força do amor “emerge a morte às idolatrias do pecado. Na ordem do ser, ao orgulho e à vaidade, e, na ordem do ter, às posses materiais e honrarias”. É a renúncia aos falsos deuses que criamos ao longo da vida. É a aceitação de que as palavras de Jesus precisam se transformar em atos pessoais para que alcancemos o amor de Deus. E então, como já disse São João Crisóstomo, mergulhados no amor ao Pai, reconhecemos que a majestade de Deus se honra melhor com o serviço humilde ao próximo e não só com palavras. O Apóstolo São Paulo confirma que “a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

           O amor a Deus expressa-se no amor ao próximo. Com efeito, este sentimento nos invade de tal modo que é pelo próprio amor de Deus que amamos aos nossos semelhantes, sejam eles quem forem. Isso vale mais do que todos os sacrifícios praticados em seu nome. Para explicar a um doutor da Lei o que é ser próximo, Jesus conta a seguir, segundo o evangelho de S. Lucas, a parábola do bom samaritano. Ele fala de um homem ferido por assaltantes, que jaz no meio de uma estrada. Três passam por ele. Os dois primeiros mostram-se indiferentes e seguem adiante sem socorrê-lo. O terceiro, movido pela compaixão, cuida do agonizante com desvelo. E este homem de bom coração é justamente um samaritano, considerado pelos judeus como estrangeiro. Pergunta Jesus: “Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”. O homem da Lei compreende o sentido da parábola e responde: “Aquele que usou de misericórdia com ele”. Jesus então lhe diz: “Vai, e faze tu o mesmo”.

           Nossa capacidade de amar ao próximo está intimamente relacionada à nossa capacidade de amar a Deus. A propósito disso, escreveu Doroteu de Gaza: “Eis a natureza do amor: quando nos afastamos do centro e não amamos a Deus, igualmente nos afastamos do próximo. Mas, se amamos a Deus, quanto mais nos avizinhamos a Ele, por amor, tanto mais estaremos unidos ao próximo, no amor”. Viver esta união é formar um só corpo, ou, como prega São Paulo, “somos membros uns dos outros”. Único corpo, ilimitado, no qual o amor circula como uma espécie de sangue divino e humano. É a transcrição na humanidade da comunhão trinitária.

         O ser humano, quando tocado por Jesus, jamais estará separado, isolado. Ele se santifica e cresce na comunhão com Deus, sem nunca estar separado de seus semelhantes. De fato, a oração e o amor integram as pessoas entre si e contribuem para que cada uma realize seu progresso espiritual. A meta que as impulsiona a crescer é a busca da felicidade ou, no dizer de S. Francisco de Assis, da alegria perfeita, fim último de suas diversas atividades. Efetiva-se assim a suave serenidade do amor a Deus e ao próximo.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 1-9 – Convite à conversão – Sábado 25 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 13, 1-9 – Convite à conversão

Sábado 25 de Outubro

       Certa feita, vieram algumas pessoas contar a Jesus um dos incidentes ocorridos com seus ouvintes judeus. Um crime perpetrado por Pilatos. Tornava-se ainda mais grave pelo fato de ter-se dado no Templo, profanando o lugar sagrado de adoração a Deus. Jesus aproveita a ocasião para lançar um convite à conversão, pois resta ainda algum tempo, embora limitado, para “produzir dignos frutos de penitência”. Não se pode concluir que o episódio da morte dos galileus pressuponha o fato de eles serem pecadores. Todos são pecadores e são exortados a dar frutos de penitência. Nesse sentido, através da parábola da figueira estéril, Ele destaca que o “tempo da visita”, sua presença entre nós, é tempo de conversão. É preciso que não mais se esteja desprevenido, pois o tempo já praticamente passou. A resposta deve ser imediata e incondicional.

        A figueira, diz Santo Agostinho, está significando o gênero humano, convocado por Jesus a uma vida nova, na comunhão com o Pai e no serviço despretensioso aos irmãos. Após três anos de cuidados e esmerada atenção, não encontrando nenhum fruto, o viticultor pensa em cortar a figueira. Há, no entanto, a intervenção de um homem compassivo, que, como escreve Santo Agostinho, “intercede junto a ele, para que cave ao redor e coloque adubo, o que indica paciência e humildade. Esperemos os frutos, pensa ele. Como, porém, só uma parte dará frutos, outra não, virá o dono e a dividirá. Que significa dividi-la? O fato de que há bons e maus, unidos no momento presente num único corpo”.

       Na literatura bíblica, sentar-se à sombra de uma figueira era sinal de paz e de bem-estar físico e social. O fato de ela secar constituía para Israel símbolo temível de infelicidade e de sofrimento. S. Cirilo de Jerusalém lembra que, ao contar a parábola, Jesus “deseja que produzamos bons frutos para que não ocorra o que se deu com a figueira estéril, cortada e lançada fora”. Todos nós podemos ser árvore infrutífera, verdejante e no entanto inútil. Pessoas de muitas e belas palavras, mas sem frutos que mostrem uma atitude de paz e de fraternidade. É possível mudar ainda; e o Senhor nos oferece o perdão, dom gratuito e generoso, de modo a trilharmos o caminho que conduz ao Pai, produzindo frutos de amor e de misericórdia.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.

Reflexão do Evangelho de Lc 12, 54-59 – Discernir os sinais dos tempos – Sexta-feira 24 de Outubro

Reflexão do Evangelho de Lc 12, 54-59 – Discernir os sinais dos tempos
Sexta-feira 24 de Outubro

          A presença de Jesus é sinal de uma realidade divina misteriosa, que causa admiração e deixa a multidão perplexa. Se suas palavras são tocantes e verdadeiras, elas evidenciam um novo tempo, apresentado como última chance oferecida à humanidade para aceder à salvação. Aliás, desde o início de sua vida pública, em sua pregação inaugural na sinagoga de Nazaré, Ele proclama um “ano de graça”, que permite passar de um conhecimento talvez abstrato de Deus a um encontro pessoal com Ele. Entretanto, urge discernir os sinais dos tempos, indícios da era messiânica, que, de modo surpreendente, no assim chamado mundo real, reflete lampejos da realidade divina. De maneira que no seu sim, no ato de fé, o homem pode atingir o vertiginoso nível do “faça-se”, do “fiat” de Deus na criação, e descobrir a luz que brilha por detrás de cada acontecimento pertinente a Jesus e à sua missão.
Em suas primeiras palavras, Jesus exorta o povo à conversão: “arrependei-vos e crede no Evangelho”. Ele não apregoa um espiritualismo moralizante, mas convoca seus ouvintes à purificação (cathársis) ou à transformação total, em seu corpo, alma e espírito. No novo tempo instaurado por Ele, o apelo “arrependei-vos” expressa uma força interior capaz de envolver e renovar, e tornar novas criaturas os que o acolhem. É a vitória do bem sobre o mal, da luz sobre a escuridão, da graça sobre o pecado.
Muitos, porém, mostram-se indiferentes às suas palavras e não conseguem ver, para além do mundo das sombras, o mundo da luz e da verdade. Decepcionado, Jesus declara que eles são capazes de ler os sinais meteorológicos do tempo, no entanto, são incapazes de reconhecer em seus atos e palavras o verdadeiro Templo de que jorra a água viva (Jo 2,19). Jesus não é simplesmente objeto de fé, Ele é quem a revela, não no final da nossa caminhada, mas antes, durante a jornada do dia-a-dia.

Dom Fernando Antônio Figueiredo, o.f.m.