Arquivo mensal: março 2018

Tríduo Pascal 2018

Reflexão do Evangelho

Tríduo Pascal 2018

 

 

Estava Jesus em oração, quando se ouvem, descendo de Jerusalém e subindo o Monte das Oliveiras, os passos dos que irão prendê-lo. Prostrado em terra, “Ele ora com mais insistência ainda e o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra”. Indo aos discípulos, Pedro, Tiago e João, que “estavam à distância de um arremesso de pedra”, como que à procura de companhia e conforto, Ele os vê dormindo e lhes diz: “Dormi agora e repousai”.

Jesus se sente só e deverá sozinho enfrentar a sua hora. Ao retornar à oração, de seus lábios brotam murmúrios de uma alma aflita: “Abba, Pai, se possível afaste de mim este cálice”. Num fio de voz, ao contrário de Adão, Ele exclama: “Entretanto, não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres… Não a minha vontade, mas a tua”. É a entrega total do Filho ao amor do Pai, força que lhe permitirá afrontar e vencer a morte.

 

No dia seguinte, ao meio-dia, em meio a um grupo de pessoas, que avança em direção ao Gólgota, Jesus caminha a passos lentos, carregando nos ombros o braço horizontal da cruz, conforme costume da época. No alto da colina, o som terrível dos martelos, fincando os cravos em seus pulsos e pés, soa no coração dos Apóstolos, particularmente de sua Mãe, Maria, que acompanha, juntamente com algumas mulheres, a crucifixão. Os olhos de Jesus não se turvam, porém, doces e serenos se voltam para os algozes; sua voz, entrecortada de dores, percute no silêncio dos corações indiferentes: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”.

O ar carregado dos zombadores é superado pela misericórdia do Crucificado, que diz ao bom ladrão: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”. Alguns transeuntes, vendo-o crucificado, injuriam-no e caçoam dele, com questionamentos e objeções: “Como um crucificado pode ser nosso rei? ”. Ou, como pode ser ele o Filho de Deus? ”. Sereno, suas palavras refletem bondade e ternura: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem! ”.

Por volta das três horas da tarde, numa experiência verdadeiramente humana, de dor e de abandono, Jesus se volta para o Pai e, na gratuidade plena, com absoluta confiança entrega-se a Ele. É Páscoa, “passagem de Jesus deste mundo ao Pai”; a salvação, a paz e a felicidade descem até nós. Com S. Agostinho dizemos: “Amemo-nos também nós uns aos outros, como Cristo nos amou e se entregou por nós”.

    

 Após sua morte, entre os Apóstolos e discípulos do Mestre reinava o desalento. Por que, tão jovem, portador de esperança para tantas pessoas, foi Ele submetido a uma morte tão desonrosa? A derrota parecia irremediável, seus sonhos de glória caíam por terra e um profundo amargor buscava dominar seus corações. 

Mas eis que no primeiro dia da semana, bem cedo, Maria Madalena e algumas outras mulheres vão ao túmulo de Jesus. Embora o sol ainda não tivesse raiado, sua luz bruxuleante permitiu-lhes notar que algo tinha acontecido.

Preocupada, Maria corre até Simão Pedro e ao outro discípulo, que céleres se dirigem ao local do sepultamento de Jesus. João vai mais rápido, chega por primeiro ao sepulcro, olha para dentro, mas não entra. Sinal de notável deferência a Pedro, que ao chegar, levado por seu temperamento impetuoso, entra imediatamente, “vê os panos de linho por terra e o sudário que cobrira a cabeça de Jesus”.

Se a precedência foi dada a Pedro, cabe a João anunciar a Ressurreição, compreendida não como uma retomada da vida anterior, assim como foi a de Lázaro, mas como a entrada definitiva do Senhor na vida eterna. Se a constatação do túmulo vazio constitui um valioso pressuposto para a fé na ressurreição, suas aparições afastam as dúvidas remanescentes, sobretudo mais tarde, quando, encontrando-os reunidos, Jesus pede aos Apóstolos do que comer, e manda Tomé tocar as chagas de suas mãos e de seu peito.

 Ressuscitado, Jesus os conduzirá ao reconhecimento de sua forma mais elevada de existência, sinal da libertação de todas as amarras que nos mantêm limitados neste mundo. S. João Crisóstomo dirá: “O perdão emergiu do túmulo. Ninguém mais tenha medo da morte, porque dela nos livrou a morte do Salvador. Cristo ressuscitou, e os anjos rejubilam; Cristo ressuscitou, e a vida está coroada”.

 

Encerra-se a missão pública de Jesus, serviço de amor, ápice da revelação da misericórdia divina. No desfecho da história ou, segundo S. Gregório de Nissa, “na sinfonia escatológica de todas as criaturas”, Cristo será o coroamento da criação; a Ressurreição, com sua luz, vencerá definitivamente toda espécie de trevas, serão inaugurados “o novo céu e a nova terra” (Ap 21, 1) e prevalecerá a misericórdia: nada poderá nos distanciar do amor de Deus.      

 

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†Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM

Reflexão do Evangelho – Domingo de Ramos – Semana Santa

Reflexão do Evangelho – Domingo de Ramos – Semana Santa

Mc 11,1-10 – Entrada em Jerusalém

 

 

Na abertura da Semana Santa, a entrada de Jesus na cidade santa constitui o ponto alto da sua subida a Jerusalém. Ainda não é Pessach, a festa da partida dos judeus do Egito, a festa da primavera, que marcava o início da safra da cevada, mas já se encontrava em Jerusalém uma pequena multidão. Romeiros provenientes de todos os lugares, do interior de Israel ou dos países vizinhos, também os “tementes a Deus”, isto é, os não judeus, os ainda não circuncidados, mas simpatizantes da fé em um Deus único.

Antes de chegarem a Jerusalém, na cidade de Betfagé, que se situava entre Betânia e o Monte das Oliveiras, Jesus pediu aos Apóstolos que lhe preparassem uma montaria, um jumentinho, símbolo de paz, que Ele montou na garupa. Seguro, tranquilo, montado na garupa, acompanhado pelos Apóstolos, Jesus se põe a caminho.

Na medida em que avançava, os peregrinos, reconhecendo-o, exclamavam: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso Pai Davi! Hosana no mais alto dos céus! ”. A intenção é bastante clara: o Evangelista quer que se reconheça nele o rei sábio e pacífico, o Filho de Davi profético-sapiencial.   

Momento de júbilo e de triunfo. Em sinal de respeito e de honra, mantos e ramos de oliveira eram estendidos ao longo do caminho. Os Apóstolos exultavam de alegria; finalmente chegara o dia tão desejado por eles: era a saudação triunfal dirigida a Jesus como Messias. As crianças corriam à sua frente cantando e balouçando folhas de palmeira, o que normalmente sucedia durante a festa dos Tabernáculos.

Mesmo extasiados diante de sua glória, os Apóstolos não deixavam de reconhecer nele o Mestre doce e humilde, “o Rei pacífico”, manifestado na escolha de sua montaria, um simples asno, alusão ao texto de Zacarias (9,9s). O burrico, no seu silêncio, tornou-se falante, adverte-os do orgulho e da ganância, e indica-lhes o caminho a ser trilhado para se chegar à paz e ao amor: a humildade e a simplicidade.

Agostinho, contemplando essa cena, exclama: “Cristo não perde a divindade, quando nos ensina a humildade”. Os gestos simbólicos oferecem uma reinterpretação das categorias messiânicas, descrevem-no como o mensageiro da sabedoria, que para os romeiros significava: “Aprender com Ele a mansidão” (Mt,11, 29-30).

Apesar da expectativa de um Messias que viria para libertar Israel do jugo estrangeiro, a ideia de um “Messias manso” não era uma concepção revolucionária. Era uma das opções do messianismo, que trazia consigo o convite para que o povo passasse a ter uma vida mais humana e pessoal, num processo de transformação de sua existência corporal para uma existência espiritual, determinada e penetrada por Deus.  

O dia declina. Ao lado das muralhas, os Apóstolos se lembram das lágrimas do Mestre sobre a cidade de Jerusalém, ao dizer: “Se ao menos hoje, também tu visses o caminho da paz”. Apelo geral a todas as pessoas, não para estenderem mantos aos seus pés, mas para acolhê-lo em seus corações. Também nossos lábios se abrem e “aclamamos todos os dias, juntamente com as crianças, as santas palavras: ‘Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor! ’” (S. André de Creta).

 

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†Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM

Reflexão do Evangelho – Domingo, 18 de março

Reflexão do Evangelho – Domingo, 18 de março

Jo 12, 20-33 – Jesus, morte e glorificação

      

 A História da Salvação é história da Esperança, que, proclamada desde o início da criação, culmina com a solene promessa, expressa no grito esperançoso do Senhor no Apocalipse: “Sim, venho muito em breve! ”; e a Igreja que aclama: “Amém! Vem, Senhor Jesus! ” (22,20).

No Cristianismo, a esperança é algo familiar, constitui um fato natural, uma experiência de vida, uma realidade que não se exaure; abre-se a prospectivas, horizontes novos e imprevistos, a realizações posteriores. É o que adveio ao povo de Deus em sua caminhada para a Terra Prometida.

O forte fundamento da esperança para os que caminham, quais peregrinos, à sombra da cruz, é a própria vida do Senhor. Em Jerusalém, após declarar ser o Filho de Deus, que veio salvar a tudo e a todos, vendo os ânimos de seus inimigos se acirrarem, Ele pressente que se aproxima o momento doloroso de sua paixão e morte, momento do gélido abraço da morte.

Ao chegar a sua hora, hora de sua elevação-glorificação sobre o madeiro da cruz, hora da “esperança crucificada”, do lado aberto do Senhor jorrarão as águas da misericórdia, dom de vida nova, para todos os que o acolhem. A propósito, exclama S. Paulo: “Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram” (1Cor 15,20).

Profundamente emocionado, Jesus anuncia a sua glorificação. Mas para que os Apóstolos não entendessem que Ele falava de glória terrena e sim de um itinerário de vida e de esperança, visando corrigi-los, Ele volta a falar de sua morte próxima e compara sua missão ao grão de trigo, que lançado em terra boa, morrendo, produzirá muitos frutos, sinal da livre doação de sua vida ao Pai para a reconciliação da humanidade toda inteira. Com efeito, proclama S. Cirilo de Alexandria: “A cruz se torna o começo de sua glorificação: aquela que, sobre a terra, Ele recebe das nações como Deus” (PG 74,84-85).

A vitória sobre o mal e o pecado, conquistada por Jesus, crucificado e ressuscitado, fortalece seus discípulos e lhes permite viver o desprendimento neste mundo e o serviço generoso e gratuito a todos, pelos quais eles assinalam ser Deus sua prioridade sobre todas as outras coisas. Cumpre-se, assim, a “lei do grão de trigo”, formulada nas palavras: “Quem se apega à sua vida perde-a, mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo guarda-a para a vida eterna”.

 Com o Apóstolo S. Paulo, os discípulos dirão: “Já não vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Gerados por Deus para a Vida Eterna, na vitória da cruz, eles reconhecem o Filho do Homem, que se revela medida humana de todos os irmãos, sua verdade, sua liberdade, sua esperança.

 

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†Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM  

Reflexão do Evangelho – Domingo, 11 de março

Reflexão do Evangelho – Domingo, 11 de março

Jo 3, 14-21 – Jesus, vida e luz

 

 

Nos ambientes religiosos judaicos, esperava-se um salvador escatológico para Israel e para todas as nações, tradicionalmente chamado “de luz do mundo”. O tema é fascinante, possivelmente, já discutido e debulhado no Conselho dos anciãos. Um de seus membros, Nicodemos, ao tomar conhecimento da pessoa de Jesus, e após ter a certeza pessoal de que Ele era um homem de Deus, resolveu marcar um encontro com Ele à noite, para evitar a crítica de seus colegas mais rígidos.

Ao encontrá-lo, suas primeiras palavras expressam confiança: “Sabemos que vens da parte de Deus como um Mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele” (3,2). Neste sentido, dizia um provérbio rabino: “As palavras do homem que conhece o temor de Deus serão ouvidas” (Berachot, 6b).

É importante recordar que a palavra revolucionária de Jesus não é uma crítica à Lei judaica, mas é o anúncio de uma vida guiada pelo mandamento do amor, compreendido de um modo novo, mais radical. Por isso, Jesus, após identificar-se ao Filho do Homem, que seria levantado, assim como “Moisés levantou a serpente no deserto”, dirige a Nicodemos um breve discurso, melhor, um convite perturbador: afastar-se dos esquemas individualistas para apostar em Deus. Sensibilizado, Nicodemos, homem experimentado na vida, não se sente ainda suficientemente forte para se lançar na aventura proposta por Jesus.

Mas o olhar do Senhor, sereno, tranquilo, o coloca ou recoloca no horizonte de um Deus que jamais abandonou seu Povo e sempre se fez presente nos momentos mais difíceis e tensos de sua história. Interiormente apaziguado, Nicodemos é atraído à fé, que é mais do que as aparências e as obrigações formais da Lei. O Senhor lhe abre o caminho! O único caminho! Não para um retorno ao princípio, mas para se chegar à salvação, realizada por um Salvador definitivo, chamado Messias.

Pois bem! O que lhe parecia incompreensível e impossível de ser realizado é superado pelo amor generoso e gratuito, bem inestimável, projeto de vida pelo qual ele é impelido a orientar sua vida na direção de Deus e de seus semelhantes. O olhar, sempre o olhar de Jesus, nada havia nele que pudesse expressar severidade, simplesmente, permitia-lhe contemplar a face humana de um Deus bondoso, misericordioso, que o acolhia e o convidava a recitar confiante o “Pai-Nosso”.

 Grato e feliz, ciente da grandeza de suas origens e da sublimidade de seu destino, Nicodemos retoma a caminhada espiritual para a Terra Prometida, como participante da “liberdade dos filhos de Deus”.

 

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†Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM

Reflexão do Evangelho – Domingo, 04 de março

Reflexão do Evangelho – Domingo, 04 de março

Jo 2,13-25 – Expulsão dos vendedores do Templo

 

O Templo, casa de oração, sinal da santidade de Deus, era o lugar onde os judeus se reuniam para fazer suas orações e elevar seus louvores ao Deus três vezes santo. Sua moldura de ouro, imponente, no alto da colina Moriá, erguia-se como sinal visível da presença de Deus no meio do seu povo, meta ansiada por todos os que vinham em peregrinação a Jerusalém.

Na época de Jesus, o Templo se tornara refúgio de mercadores, vendedores e cambistas. Mesmo os saduceus, que tinham a responsabilidade direta de sua gestão, não se preocupavam em tornar o culto menos poluído. Ouvia-se, por toda parte, o alarido de comerciantes que, diante de seus empreendimentos comerciais, em contraste com o sentimento frustrado e contrariado de muitas pessoas, alardeavam os seus produtos. Os piedosos frequentadores lembravam que, 620 anos antes daqueles dias, o profeta Jeremias tinha profetizado que o Templo se tornaria “uma caverna de bandidos”.

O texto bíblico nos provoca e nos faz perguntar se hoje nossos templos e igrejas não estão também contaminados. Porventura, não há aqueles que proclamam a Palavra de Deus com fins lucrativos ou com objetivos menos dignos? Não existem ministros do Evangelho que, em detrimento do culto divino, se tornam empreendedores comerciais? Nesse sentido, são muito atuais as palavras do Apóstolo S. Paulo que exorta os coríntios a louvar a Deus não com “fermento de malícia e perversidade, mas na pureza e na verdade” (5,8).

Estando em Jerusalém, acompanhado por seus seguidores, Jesus chegou às portas do Templo. Decepcionado com o que via, fez um chicote de cordas e começou a expulsar os vendedores, cambistas e animais, dizendo com autoridade: “Tirai daqui tudo isso e não façais da casa de meu Pai casa de negócio”.  A purificação ritual transforma-se em limpeza moral, certamente bem acolhida pelos devotos, que estavam descontentes com a situação que reinava no local. Porém, os demais, sobretudo os hierarcas, sentiram-se abalados e mesmo ameaçados; para eles, era impensável que alguém, estrangeiro, agisse daquela maneira em sua cidade e, pior ainda, falasse com tal familiaridade de Deus, e com total ousadia anunciasse a substituição das vítimas do sacrifício pela oferta incruenta de sua própria vida.

Admiremos! Contemplemos! Eis o profeta, missionário do Pai, que anuncia uma nova ordem e um novo sacrifício a ser oferecido, do nascer ao pôr do sol, do qual ninguém será excluído, pois desde já, a misericórdia divina penetra a terra e a humanidade, e um novo mundo é instaurado na justiça e na paz, na unidade e no respeito para com a criação toda inteira.

 

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†Dom Fernando Antônio Figueiredo, OFM